É com essa frase que começa O Caso do Homem Errado, que já adota a famosa manchete sobre a execução de Júlio César em 1987, como título. “Execução”, não “morte”. Marielle Franco foi executada, não morta. A palavra tem o poder de mudar a percepção da realidade. A linguagem é uma arma como nenhuma outra. Por isso, quando se fala nos Júlios e nas Marielles o termo correto é requerido com urgência. O protagonista desta história era um operário, saiu pra ver o tumulto em volta de um assalto, teve um ataque epiléptico e foi levado pela Brigada Militar de Porto Alegre. Confundiram o trabalhador com um assaltante, por quê? Era negro. Deram uns tiros no suposto “delinquente” e tentaram esconder o corpo - e mesmo que fosse um dos assaltantes, execução é assassinato de qualquer jeito. Era essa a PM, flagelo da Ditadura. Ainda é, senão, Marielle tava era viva. Quem depõe não é só a família, em O Caso do Homem Errado a jornalista Camila de Moraes dá voz a autoridades envolvidas no caso, sociólogos e líderes de movimentos sociais, além do fotojornalista Ronaldo Bernardi, que fez a famosa imagem de Júlio, a boca ensanguentada, na traseira da viatura, última vez que foi visto com vida. As entrevistas são intimistas, com a câmera fechada nos depoentes, e a fotografia dessaturada e com filtros azulados que deixam a imagem propositalmente feia. A exceção é quando entra Juçara Pinto, viúva de Júlio. Surge em cores bem vivas e ao final, para fechar o arco da história. É uma narrativa de escuta, o que pode ser maçante - como documentário é precioso, mas como Cinema nem tanto. Dizem que o bom documentário está acima da ficção, pois tem a realidade trabalhando a seu favor. Falta à Camila ainda refinar sua linguagem - ela já é mais humilde que muito documentarista gabaritado apenas por resistir ao impulso de se inserir na “trama”. Mas ainda comete erros pedestres como tentar insuflar um naturalismo desnecessário ao deixar sua fala de despedida com Juçara no corte final. Porém, o fio cronológico que ela escolhe conduz organicamente a contextualização social, a política e os testemunhos oculares. Às vezes dá ares de um viés mais abrangente, quase se perde tentando abraçar a causa toda, mas no fim entende que já tem força o suficiente se focando no caso de Júlio César. Depois de passar pelo Festival de Gramado em 2017, quando o caso completou 30 anos, o filme está agora galgando exibições comerciais. Deve voar, tendo a relevância como vento sob as asas. Sem ter essa intenção, faz coro ao triste momento atual do nosso país, sob a sombra de uma nova Ditadura. Sobre o autor:Yuri Correa é estudante do curso de Jornalismo na UFRGS, grande entusiasta de cinema e está sempre escrevendo sobre o assunto, desta vez foi para o CineF que ele dedicou esse tempinho, para matar a saudade do projeto do qual também já fez parte. |
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