Quantas pessoas passam na nossa vida? Às vezes, de maneira intensa; outras de maneiras passageiras. Não conseguimos, mesmo quando queremos, ficar sozinho. Estamos sempre rodeados por alguém, por alguma história, por uma outra vida, que não a nossa. Há 20 anos, Walter Salles lançava no cinema brasileiro Central do Brasil. Ele não poderia imaginar - mesmo que quisesse -, a força desse filme dentro da indústria cinematográfica brasileira. O drama, ao mesmo tempo leve e extremamente denso, conta a história de Dora (Fernanda Montenegro), uma amargurada professora aposentada que agora ganha dinheiro transcrevendo cartas de analfabetos na principal estação de metrô do Rio de Janeiro, a Central do Brasil. A vida dela, inevitavelmente, se cruza com a vida de Josué (Vinícius de Oliveira), um menino que vai até Dora, juntamente com sua mãe, para enviar uma carta ao pai que vive no nordeste. Saindo da estação, Ana (a mãe de Josué) é atropelada, e sozinho, o menino se vê obrigado a morar na Central do Brasil. Com pena do garoto, Dora resolve embarcar com ele em uma viagem para o sertão nordestino. Na viagem, a vida dos dois cruza com a vida de brasileiros, ao mesmo tempo comuns e tão especiais. Nesse sentido, Central do Brasil é um espetáculo puro. Logo nas primeiras cenas, vemos pessoas de diferentes lugares do país juntas na estação de trem. É como se o Brasil inteiro se encontrasse lá. Depois, durante a viagem para o sertão, encontramos novas pessoas, novas histórias. Não diferente das anteriores, essas histórias também refletem o brasileiro. O brasileiro que tem fé, fome, sede e esperança. A esperança está muito presente no longa; tanto no sonho do menino de rever o pai, quanto na vontade de Dora de mudar. Essa mudança, a transformação de Dora, é um dos pontos mais altos de Central do Brasil. Da amargurada aposentada que rasgava as cartas que escrevia, Dora vai se transformando e sendo transformada por Josué, numa relação de amor, carinho, amizade e respeito. Ambientado em um Brasil presentes a virar o milênio, onde as situações econômicas e sociais obrigavam nordestinos a se deslocarem para o sudeste em busca de melhores condições de vida, Central do Brasil acerta em mostrar a realidade de um povo inteiro, ao mesmo tempo que foca em apenas dois personagens. A importância e o valor que o filme dá aos atores coadjuvantes é de encher os olhos de lágrima. Se não bastasse todos os méritos e qualidades do filme até então aqui faladas, Central do Brasil nos dá Fernanda Montenegro em seu melhor. Eu não tenho medo de dizer que Montenegro é a melhor atriz do Brasil. O que ela faz em cena toca a alma do espectador. A qualidade em falar o texto, em proferir emoção com o olhar e transmitir a mensagem com o silêncio é o que faz de Fernanda, esse estouro que é até hoje. Que honra para nós brasileiros, termos Fernanda. Por Central do Brasil, Fernanda se tornou a única brasileira a ser indicada ao Oscar de Melhor Atriz, concorrendo na época com nomes potentes como Meryl Streep e Emily Watson, Meryl Streep, Cate Blanchett e Gwyneth Paltrow. Central do Brasil é um filme sobre saudades, sobre amizade, sobre amor e sobre esperança. É sobre vidas que se cruzam, que se alteram, que se modificam. É sobre sentir-se brasileiro e entender que, junto conosco, há mais de 200 milhões de histórias, prontas para serem contadas. “O dia que você quiser se lembrar de mim, dá uma olhada no retratinho que a gente tirou junto. Eu digo isso por que tenho medo de que um dia você também me esqueça. Tenho saudade do meu pai. Tenho saudade de tudo.” Sobre o autor:Daniel Giussani é estudante de jornalismo na UFRGS, apaixonada por cinema e por tudo que isso envolve. É um dos fundadores do canal Acabou em Pizza, que tem vários vídeos e textos sobre produções audiovisuais, desde fatos curiosos sobre televisão até debates sobre grandes produções cinematográficas. O filme de Rogério Sganzerla que abriu o chamado “cinema marginal” brasileiro completa 50 anos em 2018. E nas bodas de ouro da película, o melhor para a comemoração é relembrar a importância da obra para o Cinema nacional. “Era visto como um bom rapaz… foi quem foi” Um jovem, supostamente filho de fazendeiros e bem-quisto por onde passava. Assim João Acácio Pereira da Costa, que ficou conhecido como o Bandido da luz vermelha era definido por aqueles que o conheciam. Provavelmente esses mesmos não imaginavam que, em pouco tempo, aquele homem aparentemente pacato, se tornaria um dos criminosos mais folclóricos e conhecidos do País. Não é exagero nenhum afirmar que o “legado” do Bandido foi maior na cultura pop, do que nas análises policiais e jurídicas propriamente ditas. Do rock oitentista da banda Ira!, passando pelas reportagens ao melhor estilo Gil Gomes, chegando até as sátiras de grupos de humor como o “Hermes e Renato”, é notável como o circo midiático sempre esteve presente na vida de João, que como numa espécie de permuta, esforçava-se em manter vivo este imaginário de “charmoso cafajeste”. Seja no contexto de infância turbulenta, na criação da marca registrada da lanterna vermelha ou no apelido baseado em serial killer americano. Na efervescência da década de 60, com a expansão dos conceitos de cultura de massa, ter estampada a “nova atrocidade” de um “fora da lei” era um prato e tanto para os veículos de comunicação… Já naquela época, notava-se o fetichismo de certa fatia da população em acompanhar toda a sorte de violência, com toda a riqueza de detalhes que se tem direito; “Um gênio ou uma besta?” Rodado em 1968, em meio a todas as mudanças socioculturais ocorridas neste período e um ano após a prisão de João Acácio, o filme do jovem Sganzerla, então com 22 anos trata-se não apenas da simples história de um bandido que assolava a alta burguesia paulistana, mas é principalmente um pequeno almanaque do advento da mass media no Brasil. Para ser mais claro, tanto o homem João retratado nas páginas policiais quanto o longa semi biográfico que baseia-se em sua história, contam com valores semelhantes como primeiras experimentações do poder da criação de mitos e anti-heróis no imaginário popular. O bandido em letras garrafais no jornal e a obra prima que o retrata, contam mais do que aquilo que é visto. “Sou o inimigo público número 1” De cara nota-se que modelos estéticos pré fabricados não serão utilizados aqui. O diretor abusa da subjetividade, nonsense e referências artísticas gerais. Contemporâneo ao cinema novo e baseado no Neo-realismo italiano, é possível definir como a diferença marcante do então recém criado cinema marginal, tanto em seus personagens retratados, como em sua estética geral. Se em Glauber rocha a tela está cheia de cangaceiros, trazendo atrelada a si a crítica social, no cinema marginal o experimentalismo é a palavra chave, e as referências não se preocupam em transparecer genuinamente nacionais. Seja pela ostensiva exploração da já citada (exaustivamente) cultura de massa, a retratação do submundo urbano, cheio de “junkies, foras da lei e favelados”, bem como a busca por mostrar os dilemas da novíssima população urbana dos grandes centros, especialmente São Paulo, sede mundial da boca do lixo. O tom sensacionalista permeia todo a obra, especialmente na excelente narração policial que acompanha a película e reforça o seu tom documental. Referências a Godard e Welles, grandes inspirações para Sganzerla podem ser observadas já nos créditos, que já evocam desde o primeiro frame o caráter pioneiro do longa. Paulo Vilaça interpreta com maestria o bandido paradoxal, cheio de questionamentos internos, com uma complexidade que faz perguntarmos acerca de nossas próprias atitudes e reações ante aos fatos que são expostos. Certamente o ator consegue explorar a faceta mais importante do bandido “original”, aqui chamado de Jorge. Vale ressaltar também a atuação da musa do cinema marginal, Helena Ignez, que dá vida a prostituta Janete, a relação mais próxima do Bandido. Além de toda a enxurrada de boas referências e grandes sacadas, o maior barato de “O Bandido da Luz Vermelha” está em sua crítica sutil ao modus-operandi da burguesia média. Como um Robin Hood contemporâneo (ou rubro zorro se preferirem) o bandido, apesar de perseguido por seus crimes, e odiado pelas forças da lei, é amado pela população, numa espécie de síndrome de estocolmo coletiva. Seus diálogos com suas vítimas reforçam a relação de cumplicidade e tentativa de entendimento de suas motivações entre espectador e personagem. O desfecho cômico a la Godard fecha com maestria irônica e provocativa a obra, que explorou de forma pioneira (sorry Dexter!) a cabeça indecifrável de um psicopata, algo extremamente utilizado pela cultura pop atualmente, além de explorar a própria cultura pop (!!!). Genial. Sobre o autor:Bruno é um ex-fabicano que agora concentra seus estudos na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Cursando Publicidade e Propaganda, o paulista que já escreveu sobre música agora vem trazer o seu conhecimento e sua opinão sobre cinema mostrando um conhecimento único e bem articulado sobre a obra trazida. |
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