O corpo, a sexualidade e o cotidiano do proletariado são os elementos que compõem “Corpo Elétrico”. Lançado em 2017 e premiado no Festival Internacional de Cinema Queer, em Lisboa, “Corpo Elétrico” é o primeiro longa metragem de Marcelo Caetano, que já havia dirigido curtas, incluindo “blasFêmea”, codirigido por Linn da Quebrada. Aqui, Marcelo nos conduz em uma narrativa leve, sem grandes conflitos, tendo a realidade dos personagens como foco. Em uma São Paulo pouco glamurosa, somos apresentados a Elias, um jovem gay que trabalha em uma fábrica de confecção de roupas femininas, auxiliando a estilista. Nesse ambiente, onde o personagem tem contato com pessoas de diferentes realidades sociais, incluindo imigrantes, vemos a relação entre esses personagens e o próprio trabalho. Walt Whitman fala sobre os operários e suas marmitas em seu poema “Eu canto o corpo elétrico” e o diretor ilustra essa realidade quase como um personagem. A vida dessas pessoas gira em torno do trabalho: a cerveja depois do expediente, o futebol no fim de semana de folga, o cansaço físico e emocional e os diálogos sobre o trabalho fora do trabalho. O trabalho, mais do que objeto de contextualização, é onipresente nessas relações. Elas existem por isso. Elias divide seu tempo entre o trabalho e suas relações afetivas fora dele. Quase como um nômade, o jovem carrega uma forma de se relacionar bastante contemporânea: espírito livre, descompromissado. Para um conservador, Elias é um devasso. A sexualidade está muito presente no filme por conta do personagem mas não se restringe a ele. O cotidiano dos personagens da fábrica inclui o flerte, o interesse sexual. É quase como um lembrete de que eles existem fora do trabalho. É sobre pessoas com suas vidas, sem interesse no julgamento alheio. O roteiro simples, sem um reviravoltas inesperadas, é focado no protagonista e suas relações. Elias se encontra em meio aos conflitos pessoais pertinentes à juventude e pertencimento e seu desprendimento afetivo faz muito sentido dentro dessa realidade. Em alguns momentos, a narrativa coloca algumas reflexões que poderiam ser mais profundas, se trabalhadas mais com o personagem, no entanto, o filme funciona bem durante seu tempo de projeção. Conhecemos personagens de fora da fábrica também - inclusive, uma cena com esses personagens é a mais bonita do longa, apesar de poder soar pretensiosa. É interessante como o longa não mostra só a realidade de um jovem branco que está em uma posição diferente ao demais funcionários da fábrica, como assistente da estilista. Ele é deslocado da sua realidade para ser inserido num contexto marginalizado, com drags e travestis - uma delas, Linn da Quebrada, que tem um momento simbólico cantando “Talento”. Com uma fotografia bastante bonita, assinada por Andrea Capella, “Corpo Elétrico” traz o corpo como parte do diálogo. O corpo de Elias, os corpos dos personagens da fábrica, os personagens de fora da fábrica. Corpos que são seus. Elias que, como homem gay, por vezes tem sua autonomia negada por conta da homofobia e demais normatizações da sociedade, toma seu corpo para si e assume o poder sobre ele. Sem um final trágico ou mortes melodramáticas, o longa é interessante para dialogar sobre a naturalidade do corpo e do ser. Sobre o autor:Lucas Martins tem 22 anos e é estudante de Publicidade e Propaganda na UFRGS. Cursou 2 anos e meio de História da Arte antes de entrar para a comunicação e é cinéfilo assumido. Tenta sempre estar envolvido com projetos relacionados à cultura e arte e integrar a equipe do CineF foi uma forma de estar em contato com a sétima arte. |
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